Introdução
Em primeiro lugar eu quero deixar bem claro que não existe interpretação correta das escrituras se essa interpretação não levar em consideração o background – pano de fundo – das escrituras, o seu contexto, o pensamento por trás de cada palavra, e como entendiam e criam os seus escritores. Sendo assim, toda interpretação nesse estudo que refutar as interpretações anti-judaicas, será baseada nas escrituras segundo o seu contexto original, o contexto judaico.
Qual é o contexto das escrituras?
1 – Escritores
Todos os escritores da bíblia eram israelitas (incluindo Lucas que era um sírio convertido ao judaísmo, segundo Eusébio em “História Eclesiástica”), e portanto eles tinham um pensamento judaico. Criam segundo era ensinado no judaísmo, através dos rabinos e dos sábios judeus. Eles escreveram a respeito de um Ungido (heb. “Mashiach”), que era esperado dentro do judaísmo, pois foi revelada a sua existência, a partir do judaísmo:
“Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos” Dn 9:25.
Essas escrituras eram estudadas no judaísmo anualmente (cada porção dos profetas é estudada após uma porção da Torah que é lida a cada shabat. Cada porção é lida uma vez por ano dentro de um ciclo anual de porções semanais) após um estudo da Torah nas sinagogas. Isso mostra que o conceito de “Messias”, é puramente judaico, surgiu no judaísmo.
2 – Público Alvo
Quem era o público alvo dos escritores da bíblia? Qual era o povo que sempre estava sendo instruído, exortado, guiado e ensinado pelo Eterno? Era o Povo de Israel, o povo eleito pelo próprio Eterno em Avraham, que gerou Itshaq que gerou Ia’akov que passou a se chamar Israel.
Então a bíblia foi escrita por judeus e para judeus, isso quer dizer que eles usariam uma linguagem que os seus leitores e ouvintes entenderiam, e o que os judeus entendiam? Entendiam o judaísmo, entendiam a Torah, entendiam que o Eterno Se revelara a eles e entregou os seus oráculos a eles:
“Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Elohim” Rm 3.1,2.
Isso significa que o povo que entendia as coisas do Eterno era o povo judeu!!! Nenhum outro povo recebeu as revelações direto do Eterno. Nenhum outro povo recebeu a Torah, que foi escrita pelo dedo do próprio Eterno. Nenhum profeta era estrangeiro ou gentio (não-judeu), mas todos eram filhos de Israel. Então nós sabemos que os escritores da bíblia eram judeus, que escreveram para judeus na linguagem judaica, ou seja, o judaísmo.
3 – Judaísmo
O judaísmo é uma religião formada a partir da fé monoteísta de Avraham no Eterno. É uma religião de alianças, onde o próprio Eterno faz alianças com os seus fiéis, sejam eles judeus:
“Também estabeleci a minha aliança com eles, para dar-lhes a terra de Canaã, a terra em que habitaram como peregrinos” Êx 6:4.
Ou sejam eles gentios:
“Eis que estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa descendência” Gn 9:9.
Essas alianças são imutáveis:
“Irmãos, falo como homem. Ainda que uma aliança seja meramente humana, uma vez ratificada, ninguém a revoga ou lhe acrescenta alguma coisa” Gl 3:15.
Então nada ou ninguém pode revogar essas alianças feitas pelo próprio Eterno com os homens. Uma das alianças que o Eterno fez com o povo judeu tinha como cláusula a obediência aos Seus mandamentos, de forma incondicional.:
“Eis que, hoje, eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, quando cumprirdes os mandamentos do IHVH, vosso Elohim, que hoje vos ordeno; a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do IHVH, vosso Elohim, mas vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes” Dt 11.26-28.
O Eterno não estipula um “prazo de validade” para Seus mandamentos ou para a própria aliança que Ele firmou com Israel, pelo contrário, em muitos mandamentos Ele diz que serão “estatuto perpétuo”, ou seja, até a consumação dos séculos sem interrupção. Significa que até que o próprio Eterno diga o contrário, os mandamentos são válidos, e as alianças vigoram plenamente.
4 – Mashiach
Segundo as escrituras, o Eterno enviaria um homem que conduziria o povo de Israel segundo a vontade do Eterno (Dt. 18.15), faria a restauração espiritual de Israel (Is 53), herdaria o trono de David (I Sm 7.12,13). Estas seriam as funções do Messias (existem muitas outras profecias a respeito do Messias, porém não é objetivo desse artigo tratar desse assunto detalhadamente, mas sim resumido), que segundo o judaísmo não é apenas um, mas dois, o primeiro, Mashiach ben Iosef (Messias filho de José, que cumpriria as duas primeiras profecias, e o Mashiach ben David (Messias filho de David), que reinaria sobre Israel). Para nós messiânicos, esses dois Messias são apenas um, mas em diferentes “fases” ou “vindas”. Cremos que Ieshua cumpriu a primeira parte das profecias a respeito do Messias, a parte destinada ao Mashiach ben Iosef, e retornará como Mashiach ben David para terminar de cumprir as profecias.
Mas Ieshua é judeu? Claro, e as escrituras atestam isso (Mt 1.1-17), foi circuncidado no oitavo dia como todo judeu (Lc 2.21), ou seja, Ieshua cumpria as alianças ordenadas pelo Eterno. O Messias deveria ser um cumpridor da Torah, como profetizou Moshe (“…um profeta semelhante a mim…”)
Então essa foi uma pequena introdução ao contexto judaico das escrituras, o qual é indispensável para uma correta interpretação das escrituras. Então agora vamos às refutações contra as doutrinas anti-judaicas criadas por conseqüência do afastamento desse contexto original.
Refutações
1º – Mt 5.17 – “Não cuideis que vim destruir a Torah ou os profetas. Não vim destruir, mas cumprir”.
Interpretação comum:
Ieshua não revogou a Torah nem os profetas, mas ele os cumpriu, sendo assim, ninguém mais precisa cumpri-los pois Ieshua fez isso por nós.
Refutação:
Em primeiro lugar Ieshua em momento algum disse que ninguém mais precisa praticar a Torah ou as palavras dos profetas, mas sim que ele veio dar pleno cumprimento a elas. É muito comum as pessoas usarem essa passagem para justificarem a “anomia” (doutrina que prega o afastamento da Torah judaica), mas não conseguem interpretar esse versículo corretamente.
O que diz o restante do texto?
Mt 5.18 “Porque em verdade vos digo: até que os céus e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Torah, até que tudo se cumpra.”
Então vemos que o texto diz algo completamente oposto do que diz a interpretação cristã mais comum para esse versículo. Vemos Ieshua dizendo que até que os céus e a terra passem, a Torah continuará válida até o fim dos tempos. Detalhe: a palavra para “cumpra” na frase “até que tudo se cumpra”, não é a mesma utilizada por Ieshua quando ele disse que veio “cumprir” a Torah e os profetas, veremos isso adiante. Vamos continuar no texto:
“Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus” Mt 5.19.
Agora vemos que o próprio texto bíblico refuta essa interpretação completamente fora do contexto original das escrituras, pois quem ensinar que os mandamentos não são mais válidos, terá a devida punição, ou seja, a Torah e as alianças entregues pelo Eterno, continuam plenamente válidas.
Tradução
O texto hebraico traz a palavra “malê”, que foi traduzida como “cumprir”. Vejamos os demais significados da palavra hebraica “malê” segundo o dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento:
1) plenitude, aquilo que enche; uma ação que redunda no enchimento de um espaço por algo.
1a) fazer abundar, fornecer ou suprir liberalmente
1a1) Tenho em abundância, estou plenamente abastecido
2) tornar pleno, i.e., completar
2a) preencher até o topo: assim que nada faltará para completar a medida, preencher até a borda.
Então vemos que o significado mais utilizado para a palavra “malê” é “tornar cheio, completar, i.e., preencher até o máximo”. Então a melhor tradução para esse versículo seria:
“Não penseis que vim destruir a Torah ou os profetas. Não vim destruir, mas completar”.
Agora o texto concorda totalmente com o contexto original das escrituras, ou seja, Ieshua não veio para acabar com a Torah, ou os profetas, não veio para levar Israel à apostasia, pelo contrário, ele veio trazer o sentido completo da Torah, em um momento em que o legalismo e a hipocrisia estavam desviando Israel da verdade (cumprindo as funções do Mashiach ben Iosef, que era conduzir Israel através da vontade do Eterno e restaurar espiritualmente Israel).
Já vi pessoas dizendo que quanto Ieshua diz “até que tudo se cumpra“, ele está se referindo ao cumprimento da Torah e dos Profetas por ele, só que a palavra usada aqui tem um significado completamente diferente, vamos ver o significado da palavra “iaqum” (usada nessa frase):
1) conteúdo; existência
2) tornar-se, i.e. acontecer
3) erguer-se, aparecer na história, aparecer no cenário
4) estar em seu devido lugar, posição.
Então a melhor tradução para a frase “até que tudo se cumpra“, para evitar confusão deveria ser “até que tudo o que tiver de acontecer, aconteça“.
Curiosamente, existem pessoas que atribuem a passagem de João 19.30, quando Ieshua toma o vinagre e diz: “Está consumado!” à passagem de Mateus 5.17-19, afirmando que ali se deu o cumprimento que Ieshua falou em “até que tudo se cumpra”. Vou mostrar aqui que a palavra usada não tem nenhuma relação com a palavra utilizada em Mateus 5.18, pois a palavra “consumado” vem do termo hebraico “nishlem” que em sua raiz significa “estar completo, sadio, pleno”. Na raiz desta palavra temos os termos: shalom que significa: “paz, prosperidade, bem, inteireza, segurança e saúde”; shelem, que significa “oferta pacífica”; shalam que significa “estabelecer uma aliança de paz” e finalmente shillem que significa “recompensa”.
Então temos três palavras diferentes, com significados diferentes, usadas em contextos diferentes, e por isso não têm nenhuma relação entre si.
2º – Mateus 12:8 “Porque o Filho do Homem é senhor do sábado”
Interpretação Comum
Ieshua é o senhor do sábado e por isso quem crê nele não tem de guardar o shabat como manda a lei.
Refutação
Vamos ver o texto completo:
“Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Ieshua pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer. Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. Mas Ieshua lhes disse: Não lestes o que fez David quando ele e seus companheiros tiveram fome? Como entrou na Casa de Elohim, e comeram os pães da proposição, os quais não lhes era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou não lestes na Torah que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Pois eu vos digo: aqui está quem é maior que o templo. Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes. Porque o Filho do Homem é senhor do sábado” Mt 12.1-8.
O texto diz que os discípulos colheram espigas no shabat e os fariseus repreenderam Ieshua por isso. Não vemos em nenhum momento Ieshua dizendo que a partir daquele momento não teriam mais que guardar o shabat, mas sim que em certas ocasiões era permitido que alei fosse “quebrada”, como por exemplo quando David e seus homens comeram dos pães que só os sacerdotes podiam comer, pois tinham fome, tinham necessidade de se alimentar. Outro exemplo é que os sacerdotes “transgridem” o shabat para executar as tarefas no Templo. Da mesma forma os discípulos podiam alimentarem-se sem transgredir o shabat.
Acontece que na Torah existe uma hierarquia de mandamentos ou seja, pode acontecer de um mandamento ser transgredido para que outro maior seja cumprido. Por exemplo, o caso da circuncisão no shabat: caso o 8º dia de um menino judeu caia no shabat, ele deve ser circuncidado da mesma forma, pois o mandamento da circuncisão é superior ao mandamento da guarda do shabat. Então preservar a vida é mais importante do que guardar o shabat, e é por isso que os discípulos de Ieshua ficaram sem culpa por terem colhido espigas no shabat. Aqueles fariseus também sabiam disso, mas buscavam pega-lo em alguma armadilha.
Esse texto está imediatamente ligado ao texto seguinte que diz:
“Tendo Ieshua partido dali, entrou na sinagoga deles. Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida; e eles, então, com o intuito de acusá-lo, perguntaram a Ieshua: É lícito curar no sábado? Ao que lhes respondeu: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado, esta cair numa cova, não fará todo o esforço, tirando-a dali? Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito, nos sábados, fazer o bem. Então, disse ao homem: Estende a mão. Estendeu-a, e ela ficou sã como a outra” Mt 11.9-13.
Esse texto ilustra claramente o que foi dito acima, que um mandamento deve ser quebrado para o cumprimento de outro mais importante. Segundo a lei judaica, é lícito fazer o bem no shabat, mas o que é fazer o bem no shabat? Coisas como comprar comida, comprar remédios, curar, salvar vidas, enfim, tudo o que estiver relacionado com a preservação da vida. E foi exatamente o que eles perguntaram: “É lícito curar no shabat?” Todos eles sabiam que sim, só que mais uma vez queriam testar Ieshua, que respondeu com toda a sua sabedoria: “logo, é lícito, nos sábados, fazer o bem”. Inclusive vemos em Lucas o inverso, Ieshua indagando a eles se era lícito fazer o bem no shabat, salvar uma vida ou deixa-la perecer (Lc 6.9). Vemos que a reação daqueles fariseus a essa resposta foi a de conspirarem contra Ieshua por medo de tanta sabedoria e conhecimento da Torah do Eterno.
Outro versículo que frequentemente é usado para refutar a guarda do shabat é este:
“No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Sha´ul, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite” At 20.7.
Segundo a interpretação cristã, os discípulos se reuniam no primeiro dia da semana, e não mais no shabat como era costume deles enquanto judeus. O fato é que a expressão “primeiro dia” no idioma original quer dizer “imediatamente após o shabat”, ou seja, em uma cerimônia que termina o shabat, e o separa dos demais dias da semana. Prova disso é que o discurso de Sha’ul durou até a meia-noite, é muita incoerência pensar que Sha´ul pregou do domingo de manhã até à meia-noite.
Acontece que no calendário judaico, o dia começa no por do sol do dia anterior, por exemplo, o shabat começa no por do sol da sexta-feira, e o domingo começa no por do sol do shabat. Foi também nesse momento que Ieshua ressuscitou confirmando mais uma vez a santidade do shabat.
3º – Mt 15.11 “não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem.”
Interpretação Comum
Ieshua falou que o que o homem come não o contamina, portanto ele aqui aboliu as leis alimentares.
Refutação
Na verdade o texto nem sequer fala sobre as leis alimentares. O contexto aqui é o não lavar das mãos antes de comer (tradição chamada de “netilat iadáim”). Ieshua quis dizer que não é porque o homem não lava as mãos antes de comer, que ele vai ser contaminado, porque é muito mais perigoso o que sai da boca do homem do que o que entra pela boca através de mãos que não foram lavadas. Basta ver o contexto específico do texto, e ver que esse texto não permite generalização.
Ainda nesse tema de kashrut (leis alimentares), gostaria de citar outro texto:
“No dia seguinte, indo eles de caminho e estando já perto da cidade, subiu Kefa ao eirado, por volta da hora sexta, a fim de orar. Estando com fome, quis comer; mas, enquanto lhe preparavam a comida, sobreveio-lhe um êxtase; então, viu os céus abertos e descendo um objeto como se fosse um grande lençol, o qual era baixado à terra pelas quatro pontas, contendo toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra e aves dos céus. E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: Levanta-te, Kefa! Mata e come. Mas Kefa replicou: De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda. Segunda vez, a voz lhe falou: Ao que Elohim purificou não consideres comum. Sucedeu isto por três vezes, e, logo, aquele objeto foi recolhido aos céus” At 10.9-16.
A interpretação cristã comum sobre esse texto é de que o Eterno purificou todos os animais e que por isso as leis alimentares estavam abolidas. Só que mais uma vez as escrituras esclarecem esse aparente problema. Alguns versos mais para frente, Kefa nos informa qual é a interpretação correta da visão que ele teve no terraço de Cornélio:
“Mas Kefa o levantou, dizendo: Ergue-te, que eu também sou homem. Falando com ele, entrou, encontrando muitos reunidos ali, a quem se dirigiu, dizendo: Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Elohim me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo”
At 10.26-28.
Vemos que a visão que o Eterno deu a Kefa, nada tem a ver com kashrut, mas sim com preconceito que os judeus tinham com os gentios, a ponto de nem comerem na mesma mesa.
Vejamos este:
“Um crê que de tudo pode comer, mas o débil come legumes; quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come, porque Elohim o acolheu”
Rm 14.2,3.
Por incrível que pareça, tem gente que usa esse texto para dizer que quem ainda observa as leis alimentares é “débil”. Aqui claramente fala sobre os vegetarianos que acham que se comerem carne estarão pecando ou coisa parecida.
Textos como:
“Não é a comida que nos recomendará a Elohim, pois nada perderemos, se não comermos, e nada ganharemos, se comermos” I Co 8.8.
São “campeões de audiência” entre os que são tirados do contexto. O texto acima está inserido no contexto dos alimentos sacrificados aos ídolos (I Cor 8.1-11), uma recomendação dos apóstolos para os crentes gentios, para se absterem desse tipo de alimento. Sha’ul diz para não investigarem a procedência do alimento, porém se souber que foi oferecido a ídolos, não se deve comer.
O texto diz também que nem todo alimento que é servido onde existe idolatria é oferecido a ídolos, mas deve-se evitar comer nesses lugares pois se um irmão que não tem esse conhecimento te ver comendo nesse lugar, vai ser levado a crer que se pode comer o que for contaminado com ídolos, e você o terá feito pecar.
4º – “Todos quantos, pois, são das obras da Torah estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da Torah, para praticá-las. E é evidente que, pela Torah, ninguém é justificado diante de Elohim, porque o justo viverá pela fé. Ora, a Torah não procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá. O Ungido nos resgatou da maldição da Torah, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro)” Gl 3.10-13.
Interpretação Comum
Sha´ul pregava contra o cumprimento da Torah, chamando a Torah de maldita e amaldiçoando aqueles que estavam debaixo da Torah. O Ungido nos resgatou da maldição da Torah, por isso quem cumpre a Torah, é maldito.
Refutação:
O que Sha’ul fala aqui é a respeito do legalismo, e das obras do legalismo. O que é legalismo? É o cumprimento da Torah sem fé, e isso leva a cumprir a Torah mecanicamente e a interpretações completamente pesadas e sem sentido da Torah. O legalismo é algo terrível, como podemos ver nos evangelhos. Por exemplo, imagine que alguém tenta “burlar” a lei sem trangredí-la.
O texto bíblico manda não adulterar, porém a pessoa mantém relações sexuais com seu cônjuge imaginando outra pessoa. Essa pessoa imagina assim não estar pecando, pois não adulterou de verdade. Isso é legalismo, pois a verdadeira interpretação do mandamento de não adulterar é explicado por Ieshua quando ele diz que até mesmo olhar para uma mulher com intenção impura, já adulterou.
A Torah pode trazer maldição, mas ela é maldita? De forma alguma! Como Sha’ul mesmo disse, a Torah é santa; e o mandamento, santo, justo e bom. (Rm 7.12).
Mas então o que é “maldição da Torah”? É a maldição pelo não cumprimento da Torah. Como está escrito:
“Eis que, hoje, eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, quando cumprirdes os mandamentos do IHVH, vosso Elohim, que hoje vos ordeno; a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do IHVH, vosso Elohim, mas vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes” Dt 11.26-28.
Então fica bem claro contra o que Sha’ul pregava: legalismo!!! O legalismo leva a um cumprimento incorreto da Torah, e o cumprimento incorreto é a mesma coisa que a transgressão da lei, e a transgressão da lei traz a maldição.
Outro texto muito usado é:
“De maneira que a Torah nos serviu de aio para nos conduzir ao Ungido, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio” Gl 3.24,25.
A palavra “aio” quer dizer “tutor“. O único caminho que o homem tinha para seguir era o cumprimento da Torah. Ora, a Torah mostra o quanto o homem é falho, pois sendo um espelho do caráter de D-us e reflexo de Sua santidade, o homem consegue enxergar as suas limitações, e isso nos leva ao Mashiach (Messias), que com sua obra cobre todas as nossas limitações perante o Eterno, e por isso agora não precisamos mais morrer por causa da transgressão da Torah que é natural ao homem, pois somos justificados pela fé em Ieshua que apaga essas transgressões, porém a Torah é santa, e o mandamento, santo, justo, e bom; e segundo o próprio Eterno, é perpétuo. Então não mais nos justificamos no cumprimento da Torah, porém ainda devemos obedecê-la. Por que? Porque ela nos mostra o que é pecado aos olhos do Eterno:
“Todo aquele que pratica o pecado também transgride a Torah, porque o pecado é a transgressão da Torah” I Jo 3:4.
O próprio texto bíblico mostra que Sha’ul, como um judeu e fariseu (Fp 3.5) cumpria a Torah e seguia a tradição dos antepassados:
“Uma vez em Roma, foi permitido a Sha´ul morar por sua conta, tendo em sua companhia o soldado que o guardava. Três dias depois, ele convocou os principais dos judeus e, quando se reuniram, lhes disse: Varões irmãos, nada havendo feito contra o povo ou contra os costumes paternos, contudo, vim preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos” At 28.16,17.
E
“Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na Torah de Elohim” Rm 7.22.
Ainda:
“Sabemos, porém, que a Torah é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo” I Tm 1.8.
E também:
“No dia seguinte, Sha´ul foi conosco encontrar-se com Tiago, e todos os presbíteros se reuniram. E, tendo-os saudado, contou minuciosamente o que Elohim fizera entre os gentios por seu ministério. Ouvindo-o, deram eles glória a Elohim e lhe disseram: Bem vês, irmão, quantas dezenas de milhares há entre os judeus que creram, e todos são zelosos da Torah; e foram informados a teu respeito que ensinas todos os judeus entre os gentios a apostatarem de Moshe, dizendo-lhes que não devem circuncidar os filhos, nem andar segundo os costumes da Torah. Que se há de fazer, pois? Certamente saberão da tua chegada. Faze, portanto, o que te vamos dizer: estão entre nós quatro homens que, voluntariamente, aceitaram voto; toma-os, purifica-te com eles e faze a despesa necessária para que raspem a cabeça; e saberão todos que não é verdade o que se diz a teu respeito; e que, pelo contrário, andas também, tu mesmo, guardando a Torah” At 21.18-24.
Entre muitos outros versículos. Sha’ul também pregava contra a imposição das leis de Moshe para os gentios, além também de pregar contra a justificação pela Torah. A Torah não salva, mas não cumprir a Torah por rebeldia, traz maldição. E as escrituras ainda dizem que o pecado é a transgressão da Torah (I Jo 3.4), como podem então pregar contra o cumprimento da Torah se o pecado é a transgressão da Torah?
Então vemos que na verdade existe a pregação contra o legalismo e contra a imposição da Torah para os gentios, como nos é informado em Atos 15. Resumindo, a pregação de Sha´ul é a seguinte: Judeus vivam como judeus crendo em Ieshua e cumprindo as alianças perpétuas firmadas pelo Eterno, e gentios vivam como gentios observando as leis de Atos 15 e crendo em Ieshua e buscando conhecimento estudando-se a Torah na sinagoga no shabat para poder então entrar definitivamente na aliança do Eterno através do Ungido.
Não deve haver discriminação entre os judeus e os gentios crentes em Ieshua, pois um gentio que observa o que foi ordenado em Atos 15 é tão justo quanto um judeu que observa os mandamentos ordenados no Sinai. Não há judeu e nem gentio no que diz respeito ao acesso ao Eterno, e à salvação, porém cada um deve cumprir o ser papel, os judeus devem cumprir o papel de judeus entre os judeus, e os gentios devem cumprir o papel que o Eterno lhes atribuiu entre as nações.
5º – Mt 11.13 “Porque todos os Profetas e a Lei profetizaram até João.”
Quem lê esse versículo de forma isolada, tem a impressão de que quando chegou Iochanan o imersor, a Torah e os profetas se tornaram obsoletos. Na verdade o texto quer dizer que chegaram com poder e força até João, sendo até então as únicas revelações e fontes de informações sobre o Eterno, mas então as boas-novas começaram a ser proclamadas. No texto do “Novo Testamento Judaico” (tradução do texto grego do Novo Testamento que restaura o contexto judaico das escrituras), está escrito:
“Até o tempo de Iochanan, havia a Torah e os Profetas. Desde então, foram proclamadas as boas-novas do Reino de Elohim, e todos tentaram forçar sua entrada nele.”
O texto reforça a explicação que foi dada acima, de que a idéia a ser passada é a de que somente haviam a Torah e os Profetas até que Iochanan chegou, pois a partir desse momento as boas-novas foram anunciadas.
No mais, eu recomendo uma pesquisa que trace paralelos entre o Talmud e a Brit Hadasha, para que vejam que existem muitas semelhanças entre os dois.
Eu espero que esse artigo ajude a esclarecer alguns pontos do contexto original das escrituras e que ajude a enxergar, por trás de tanta névoa, o Ieshua judeu, rabino, fariseu, que amou a Torah e a ensinou corretamente, repreendendo os seus iguais, aos que eram mais próximos a ele, e instruindo o povo a ouvir e a obedecer às palavras dos rabinos (Mt 23.1-3).
Esta nova percepção das Escrituras nos mostrará o quão judaica é a Brit Hadasha e também que além do Ungido ser judeu, todos os seus discípulos também o eram! Neste caso poderemos extrair novas e surpreendentes conclusões daquilo que muitas vezes lemos mas até agora não havíamos entendido!
Baruch há Shem!
Adaptação: Mário Moreno.
Obs: Artigo baseado no original escrito por Rodrigo Garcia.