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Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Elohim verdadeiro, e a Yeshua o Messias, a quem enviaste. JOÃO 17:3
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A APOSTASIA: INÁCIO, MARCIÃO E TERTULIANO

A APOSTASIA:
INÁCIO, MARCIÃO E TERTULIANO

Por Tsadok Ben Derech

Vimos nas partes anteriores deste estudo que os primeiros discípulos de Yeshua eram conhecidos como netsarim (nazarenos), e que tempos depois os gentios crentes passaram a ser chamados de cristãos. Afirmou-se ainda que nazarenos e cristãos viviam em conjunto e eram praticantes do Judaísmo, até que houve um momento na história em que ocorreu uma divisão. Esta ruptura decorreu da apostasia que ingressou no meio cristão.
Consoante os relatos do historiador Flávio Josefo, Roma assassinou muitos hebreus durante os anos de 66 a 73 D.C, totalizando 600 mil israelitas, e durante os anos de 132 a 135 D.C foram dizimadas cerca de 850 mil pessoas. Somando-se tais números, constata-se que em um curto período histórico houve o extermínio de aproximadamente um milhão e quinhentos mil hebreus. Muitos deles eram nazarenos, o que leva à conclusão de que sobraram poucos israelitas seguidores do Mashiach Yeshua.
Por outro lado, houve um grande crescimento do número de cristãos. Assim, a tendência natural se consumou: o grupo maior dos cristãos prevaleceu sobre o grupo menor dos nazarenos. Confira-se o relato de Abraham Cohen:
“Durante algum tempo, a Comunidade cristã era formada de duas seções divergentes: a dos Nazarenos ou judeus Cristãos… e a de cristãos gentios… É claro que um tal estado de coisas não podia durar, e era, somente, uma questão de tempo, antes que uma das seções viesse a predominar e expulsar a outra. Foi exatamente isso que sucedeu. O acontecimento crítico que resolveu a questão foi a destruição do templo e do estado no ano 70… A partir desse momento, os Nazarenos começaram a diminuir em número, enfraquecendo-se, pouco a pouco, a sua influência, até se tornar nula.”
(Dois Caminhos, Edições Biblos Ltda, Rio de janeiro, 1964, página 102).

Haja vista que muitos cristãos eram originários de religiões pagãs, a apostasia infiltrou-se rapidamente nas congregações cristãs. Esta apostasia já havia sido prevista nas Escrituras. Senão vejamos.
Yeshua advertiu acerca da apostasia que viria por meio de falsos messias e falsos profetas:
“E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos.
E, por se multiplicar a apostasia, o amor de muitos esfriará.
(…)
Porque surgirão falsos messias e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos.”
(Matityahu/Mateus 24:11- 12, 24).

O que é um falso profeta? Ora, se a Torá (“Lei”) é a verdade (Sl 119:142), consequentemente, qualquer ensino contra a Torá é mentiroso. Falso profeta é aquele que ensina doutrinas contrárias à Torá (“Lei”), isto é, todos aqueles que “distorcem as palavras do Elohim vivo” (Jr 23:36), visto que o ETERNO ordenou que ninguém poderia acrescentar ou retirar nada de sua Torá (Dt 13:1, ou 12:32, nas versões cristãs). Se Yeshua disse que não veio para abolir a Torá (Mt 5:17), logo, quem prega a anulação da Lei é considerado um falso profeta. Prezado leitor, guarde este conceito de falso profeta, porque mais adiante ele será essencial para se compreender quando, na história, se manifestaram os primeiros falsos profetas entre os discípulos do Mashiach.
Não demoraria muito tempo para que os lobos aparecessem. Já no primeiro século a perdição se iniciaria.
Sha’ul (Paulo) previu profeticamente que, logo após a sua morte, a apostasia iria se propagar:
“Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho;
E que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si.”
(Ma’assei Sh’lichim/Atos 20:29-30).

Advertiu Sha’ul (Paulo) que os discípulos deveriam ficar atentos quanto à manifestação da apostasia:
“Ora, irmãos, rogamo-vos, pela vinda de nosso Senhor Yeshua HaMashiach, e pela nossa reunião com ele,
Que não vos movais facilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o dia do Mashiach [Messias] estivesse já perto.
Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição.”
(Tessalonissayah Beit/2ª Tessalonicenses 2:1-3)

Ora, pecado significa transgressão aos mandamentos da Torá (Yochanan Álef/1ª João 3:4, em aramaico). Assim, o homem do pecado, mencionado por Sha’ul (Paulo), é aquele traz ensinamentos contra a Torá do ETERNO, levando as pessoas à apostasia. Estes ensinos têm origem maligna:
“Mas a Ruach (Espírito) expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios;
Pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência.”
(Timoteus Álef/1ª Timóteo 4:1-2).

Não só Sha’ul (Paulo), mas também Kefá (Pedro) advertiu os discípulos contra a iminente apostasia que seria inaugurada:
“E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição.
E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade.”
(Kefá Beit/2ª Pedro 2:1-20).

Volta-se ao ponto inicial: se a Torá é a verdade (Sl 119:142), quem blasfema do caminho da verdade é aquele que prega contra a Torá. Esta é a mensagem deixada por Kefá (Pedro), qual seja, que os discípulos de Yeshua deveriam tomar cuidado com os falsos doutores, que são aqueles que blasfemam contra o caminho da verdade (a Torá).
Yochanan (João) fala expressamente que os antimessias (anticristos) já estavam atuando no meio dos discípulos. Muitas pessoas esperam que o Antimessias (Anticristo) se manifeste, porém, Yochanan (João) foi contundente ao advertir que havia não só um, mas vários antimessias (anticristos) atuando no meio da comunidade dos fiéis a Yeshua:
“Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o antimessias, também agora muitos se têm feito antimessias, por onde conhecemos que é já a última hora.
Saíram dentre nós, mas não eram dos nossos, porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos.”
(Yochanan Álef/1ª João 2:18 e 19).

Verifique que os antimessias (anticristos) saíram do meio dos próprios discípulos. E quando isto ocorreu na história? É o que se examinará a seguir.

A) INÁCIO DE ANTIOQUIA: O BALUARTE DAS HERESIAS

Foi dito que Sha’ul profetizou que após a sua morte seriam levantados lobos cruéis que atrairiam os discípulos para si (Ma’assei Sh’lichim/Atos 20:29-30). Sha’ul (Paulo) morreu no ano de 66 D.C e o primeiro ancião (“bispo”) de Antioquia após a sua morte foi Inácio, em 98 D.C. Este bispo (o “Santo” Inácio dos católicos) cumpriu as profecias de Sha’ul (Paulo), uma vez que escreveu uma série de cartas introduzindo várias heresias no meio dos seguidores de Yeshua.
Hegesippus, historiador nazareno (180 D.C), escreveu o que ocorreu imediatamente após a morte de Shim’on (Simeão), que sucedeu Ya’akov HaTsadik (Tiago, o Justo) na liderança da comunidade dos nazarenos, e que morreu no ano de 98 D.C:
“… efetivamente, até aquelas datas a comunidade permanecia virgem, pura e incorrupta, como se até esse momento os que se propunham corromper a sã regra da pregação do Salvador, se é que existiam, ocultavam-se em escuras trevas.
Mas quando o coro sagrado dos apóstolos alcançou de diferentes maneiras o final da vida e desapareceu aquela geração dos que foram dignos de escutar com seus próprios ouvidos a divina Sabedoria, então teve início a confabulação do erro ímpio por meio do engano de mestres de falsa doutrina, os quais, não restando nenhum apóstolo, daí em diante já a descoberto, tentaram opor à pregação da verdade a pregação da falsamente chamada gnosis.”
(Hegesippus, o Nazareno, citado por Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro III, capítulo XXXII).

Fica claro o que ocorreu em termos históricos. Até o final da vida dos emissários (apóstolos), a comunidade dos discípulos de Yeshua era “pura e incorrupta”. Porém, após a morte dos emissários, surgiram os falsos mestres que semearam falsas doutrinas, tal como predito por Sha’ul (Paulo). Como mencionado, o líder dos netsarim (nazarenos) Shim’on faleceu no ano de 98 D.C, e é justamente neste ano que entra em cena Inácio de Antioquia para introduzir várias heresias. Em outras palavras, Hegesippus afirma claramente que a apostasia teve início no mesmo ano em que Inácio se torna o Bispo de Antioquia.
Antes de Inácio, todas as decisões relativas aos netsarim (nazarenos) eram adotadas por meio de concílios em Jerusalém (vide, por exemplo, At 14:27 a 15:31). Após assumir o cargo em Antioquia, Inácio usurpa a autoridade dos discípulos que viviam em Jerusalém e declara a si mesmo como autoridade final para decidir as questões da fé, dizendo também que os bispos de cada local teriam a mesma autoridade:
“… sujeitem-se a seus Bispos… e vocês estarão agindo de acordo com a vontade de Deus.
Jesus foi enviado pela vontade do Pai; da mesma maneira, os bispos são enviados pela vontade de Jesus.”
(Epístola aos Efésios 1: 9, 11).

“… obedeça a seu Bispo.”
(Epístola aos Magnésios 1:7)

“Portanto, é vosso dever reverenciar os vossos superiores.”
(Epístola aos Magnésios 3:3).

“Seu Bispo está presidindo no lugar de Deus… esteja em união com seu Bispo.”
(Epístola aos Magnésios 2: 5, 7).

“ele… não deve fazer nada sem o Bispo…para não ficar impuro em sua consciência.”
(Epístola aos Trálios 2:5)

“Não faça nada sem o Bispo.”
(Epístola aos Filipenses 2:14)

“Todos vocês devem seguir seu Bispo, tal como Jesus Cristo seguiu o Pai.”
(Esmirna 3:1)

Contrariando as Escrituras, Inácio de Antioquia criou um sistema religioso em que o Bispo é um ser superior e os fiéis lhe são subordinados. Disse Inácio que “o Bispo está no lugar de Deus”, ou seja, tornou-se o representante do ETERNO na terra, razão pela qual todos deveriam obedecê-lo cegamente, sem nenhum tipo de questionamento. Este modelo primou pela centralização de poderes em suas mãos e iria culminar, mais tarde, com a instituição oficial da Igreja Católica e o Papa como Chefe Supremo da Igreja, denominado Vicarius Filii Dei (“o Substituto do Filho de Deus”). Este pensamento também foi adotado pelo protestantismo, visto que o Pastor é considerado “ungido do Senhor”, pessoa superior aos membros da Igreja, devendo estes obedecer ao Pastor sem questionar suas ordens, ainda que sejam absurdas.
Quando se lê Ma’assei Sh’lichim (Atos dos Apóstolos), aprende-se que as decisões dos netsarim (nazarenos) eram tomadas democraticamente (At 1:21-26, 6:5-6, 15:25). Não havia um líder que impusesse unilateralmente sua vontade, mas sim líderes que decidiam em conjunto em Jerusalém, a santa Cidade do ETERNO. Por conseguinte, o modelo instituído por Inácio (concentração de poder na mão de um homem) é totalmente antibíblico.
Inácio terminou por usurpar a autoridade dos netsarim (nazarenos) e obteve o poder perante os gentios cristãos, estimulando que outros bispos gentios (supervisores) também o fizessem. Assim, a rebelião de Inácio estabeleceu uma divisão entre os netsarim (nazarenos) e os cristãos.
Atualmente, muitos pastores evangélicos, movidos por ganância e rebeldia, criam uma cisão em suas Igrejas e levam parte dos crentes para uma nova denominação por eles instituída. Foi exatamente isto que fez Inácio: promoveu uma rebelião e atraiu para si os gentios, determinando que se afastassem dos judeus – os descendentes imediatos dos “apóstolos” (emissários).
Explicou-se acima que os emissários (“apóstolos”) falaram expressamente dos falsos profetas, que seriam aqueles que ensinariam contra a Torá do ETERNO. Pois bem, Inácio foi um falso profeta, visto que prescreveu que a Torá (“Lei”) foi abolida:
“Mas se alguém pregar a Lei Judaica [a Torá] a vocês, não lhe deem ouvidos…”
(Carta de Inácio aos Filipenses 2:6)

“Não sejam enganados por doutrinas estranhas; nem por fábulas antigas sem valor. Pois se continuarmos a viver conforme a Lei Judaica [a Torá], estamos confessando que não recebemos a graça…”
(Carta de Inácio aos Magnésios 3:1)

Outra grande heresia foi engendrada por Inácio: a substituição do shabat (sábado) pelo domingo.
Consoante as Escrituras, o shabat (sábado) foi instituído desde a criação (Gn 2:1-3) e é o quarto dos Dez Mandamentos (Ex 20:8-11 e Dt 5:12-15), sendo escrito pelo dedo do ETERNO (Ex 31:18 e 32:16). O shabat é sinal da aliança entre o ETERNO e seu povo (Ex 31:15-17 e Ez 20:12), sendo certo que o gentio deve observar o shabat (Ex 20:8-11 e Is 56:3-7). Yeshua guardava o shabat como era de seu costume (Lc 4:14-16; Mc 6:1-2; Lc 6:6 e Lc 13:10). Do mesmo modo, os discípulos de Yeshua e os emissários (apóstolos) cumpriam o mandamento do shabat, mesmo após a morte de Yeshua (At 13:14, 43-44; 16:13; 17:2).
Afastando-se das Escrituras, Inácio substituiu o sábado pelo domingo:
“…não mais observem os sábados, mas observem o dia do Senhor [o domingo], no qual também a nossa vida floresce Nele, através da Sua morte…”
(Carta de Inácio aos Magnésios 3:3).

“Portanto, não precisamos mais manter o sábado, como fazem os judeus…”
(Carta de Inácio aos Magnésios 4:9).

“Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre.”
(Carta aos Magnésios 9:1).

Vejam a jogada macabra de Inácio. Primeiramente, usurpa a autoridade dos netsarim (nazarenos), que eram os discípulos diretos dos emissários (“apóstolos”). Depois, afirma que os fiéis deveriam obedecer aos respectivos Bispos locais, sendo que ele próprio era o Bispo de Antioquia. Em seguida, decreta que a Torá (“Lei”) dada pelo ETERNO foi anulada; agora, os homens não deveriam mais obedecer à Lei do ETERNO, mas sim aos mandamentos do Bispo. Em sequência, Inácio aniquila o shabat e o substitui pelo domingo. O que mais faltava?
O golpe fatal de “Santo” Inácio foi a criação de uma nova religião, distinta do Judaísmo dos Netsarim (Nazarenos), que passara a se chamar “Cristianismo”. Surge, então, pela primeira vez a expressão “Cristianismo” para designar esta nova religião:
“Vamos, portanto, aprender a viver conforme as regras do Cristianismo, pois quem quer que seja chamado por qualquer outro nome além desse, esse não é de Deus…”.
“É absurdo nomear Jesus Cristo e judaizar. Pois a religião cristã não abraçou a judaica. Mas a judaica abraçou a cristã…”
(Carta de Inácio aos Magnésios 3:8,11)

“Permanecei em Cristo e o estranho não obterá o domínio sobre vós. É absurdo professar Jesus Cristo com a língua e cultivar na mente o Judaísmo, que agora chegou ao fim. Onde está o Cristianismo não pode estar o Judaísmo…”
(Carta de Inácio aos Magnésios 4:10)

Já se ressaltou que Yeshua não criou uma nova religião, mas tão somente ensinou o Judaísmo à luz das Escrituras. De modo totalmente contrário às lições do Mashiach (Messias), Inácio de Antioquia instituiu uma nova religião, o Cristianismo, e colocou de lado a fé original de Yeshua e seus primeiros talmidim (discípulos). Estava aberto o caminho para a fundação do Catolicismo Romano. Eis as palavras de Inácio:
“Onde está Cristo Jesus, está a Igreja Católica.”
(Epístola aos Esmirniotas 8:2).

“Roma preside a Igreja na caridade.”
(Carta aos Romanos, Prólogo).

Resumem-se os principais ensinamentos antibíblicos de Inácio de Antioquia nos seguintes tópicos:
1) Concentração do poder nas mãos de um só homem, o que posteriormente veio a abalizar o poder do Papa. Hoje, o Cristianismo ainda permanece com esta ditadura eclesiástica, inclusive no meio evangélico, em que as ordens do Pastor devem ser obedecidas cegamente. Em muitos meios judaico-messiânicos, o rabino ou o rosh também estão estabelecendo “ditaduras” em suas sinagogas, já que as decisões não passam pelo voto democrático dos membros ou de um colegiado (Beit Din).
2) Decretação de que a Torá (“Lei”) do ETERNO foi abolida. É lastimável que a maioria dos cristãos acredite que a “Lei” acabou. Por outro lado, não menos lastimável é o fato de que muitos líderes judaico-messiânicos, influenciados pelas deturpações rabínicas, afirmam incorretamente que a Torá vigora apenas para os judeus, sendo facultativa aos gentios, que devem observar apenas as sete leis noéticas. Em verdade, o ETERNO não faz acepção de pessoas, donde se conclui que a Torá se aplica integralmente aos judeus e aos gentios (Ex 20:8-11; Ex 12:49; Nm 9:14, 15:15-16; Lv 16:29, 24:22; Rm 11 e Ef 2). Devem os gentios começar a cumprir regras mínimas, tal como preconizado em Atos 15, porém, a cada shabat devem aprender mais mandamentos contidos na Torá (At 15:19-21).
3) Substituição ilegal do shabat (sábado) pelo domingo. Sobre esta questão, leia o capítulo III desta obra.
4) Criação de uma nova religião, o Cristianismo, no lugar do Judaísmo ensinado por Yeshua e vivenciado por seus discípulos.
Assim, já no final do primeiro século e início do segundo, Inácio de Antioquia cumpriu a profecia de Sha’ul (Paulo) acerca da apostasia que se instalaria. O Cristianismo, nova religião criada com alicerces antibíblicos, iria avançar e substituir o Judaísmo pregado por Yeshua e praticado por seus primeiros discípulos.

B) MARCIÃO: AS HERESIAS CONTINUAM

Após a rebelião de Inácio, a expansão do Cristianismo contou com outro nocivo ingrediente implementado por Marcião de Sínope (85 a 160 D.C), um influente bispo do Cristianismo primitivo.
Enquanto os netsarim (nazarenos) usavam o Tanach (Primeiras Escrituras) e os Ketuvim Netsarim (Escritos Nazarenos), considerando todas as Escrituras como uma unidade e sem a existência de hierarquia de uma sobre a outra, Marcião foi o primeiro a inventar os termos “Velho Testamento” e “Novo Testamento”, expressões estas que não existem na Bíblia.
Marcião cria na existência de dois deuses distintos, ensinando que o “Velho Testamento” revelou um deus mal, que seria o deus dos judeus; e no “Novo Testamento” se manifestou um deus bom. Em sua mente gnóstica, o deus de Jesus seria diferente do deus dos judeus. O pensador pagão preconizou um sistema dualista para explicar as “contradições” entre o “Velho” e o “Novo Testamento”. Para justificar a existência de dois deuses, Marcião interpretou as Escrituras de maneira totalmente incorreta. Vejamos alguns exemplos:
a) Disse Marcião que o deus mal dos judeus ensinou “olho por olho”, enquanto o deus bom de Jesus ensinou o amor. Este conceito é errôneo, visto que “olho por olho” não significa literalmente arrancar o olho de uma pessoa, mas sim o dever de indenizar um dano causado a outrem em valor proporcional à ofensa. Ademais, no Tanach (Primeiras Escrituras/“Antigo Testamento”), o ETERNO ordenou o amor ao próximo: “amem seu vizinho como a si mesmos” e “amem-no como a si mesmos” (Vayikrá/Levítico 19:18 e 34). Logo, o amor de YHWH não surgiu com Yeshua. YHWH sempre foi amoroso.
2) Alegou Marcião que o deus do “Velho Testamento” incentivava o divórcio e o adultério, e o deus do “Novo Testamento” os proibiu. Outro equívoco de Marcião. Yeshua lecionou que o divórcio foi dado pela dureza dos corações humanos (Matityahu/Mateus 19:8), e a própria Torá diz que o homem se unirá à sua mulher (palavra no singular, ou seja, apenas uma mulher) e ambos serão uma só carne (Bereshit/Gênesis 2:24). Devarim/Deuteronômio igualmente afirma que não deveriam ser multiplicadas as esposas (Dt 17:17). Em suma, a Torá nunca estimulou o divórcio e sempre abominou o adultério.
3) Sustentou que o deus do “Velho Testamento” não era onisciente, porque perguntou para Adam (Adão): “onde você está?” (Gn 3:9). Esqueceu-se Marcião que YWHW é tão misericordioso que fez esta pergunta para possibilitar que Adam (Adão) e sua mulher se arrependessem de seus pecados, confessando-os.
4) O deus do “Velho Testamento”, prossegue Marcião, é um deus de vingança, crueldade e ódio; e o deus de Jesus é bondoso e amoroso. Não percebeu Marcião que YHWH não muda e sempre externou seu amor e sua justiça para com todos os homens. Em hebraico, a palavra “chessed” (graça) aparece mais de 240 vezes no Tanach (Primeiras Escrituras) e o próprio perdão liberado pelo ETERNO ao povo de Israel, após o episódio idólatra do bezerro de ouro, demonstra o seu grande amor. Por outro lado, no “Novo Testamento”, Hananyah (Ananias) e Shapirá (Safira) foram exterminados pelo ETERNO (At 5:1-11), o que demonstra que mesmo após Yeshua a justiça de YHWH continua a operar. Em suma, em todas as época da história o ETERNO agiu com justiça e com misericórdia, aplicando uma ou outra de acordo com sua infinita sabedoria.
5) Na visão do Marcionismo, Yeshua foi enviado pelo Deus Pai (o deus bom) para superar o deus mal. Este conceito é tão absurdo que dispensa maiores comentários.
6) Explicava Marcião que o deus do “Antigo Testamento” criou o mundo material para alastrar o mal, tornando-se a divindade dos judeus. Este deus perverso outorgou a Lei (Torá) com o objetivo de promover uma justiça legalista que punisse severamente os homens por seus pecados com sofrimento e morte. O deus de Jesus derrubou a Lei, olhando a humanidade com compaixão e piedade. Outra grande heresia de Marcião! Yeshua afirmou que não veio revogar a Torá/Lei (Mt 5:17) e Sha’ul considerou a Torá santa, justa e boa (Rm 7:12), chegando a dizer: “Segue-se então que abolimos a Torá (Lei) por meio da fé? De maneira nenhuma! Ao contrário, confirmamos a Torá” (Rm 3:31). No capítulo II deste livro, apresentar-se-á estudo detalhado sobre este tema.
7) Para distinguir a obra do deus amoroso em relação ao deus cruel, Marcião dividiu as Escrituras em “Velho Testamento” e “Novo Testamento”. Ora, quem lê a Bíblia em hebraico sabe que não existe a palavra “testamento”. A bem da verdade, o profeta Yirmeyahu (Jeremias) usa a expressão “B’rit Chadashá”, que significa Aliança Renovada (ou “Nova Aliança”) – Jr 31:30-33 (versões cristãs: Jr:31:31-34). Com base nestes textos do profeta referido, deduz-se que Yeshua veio para escrever a Torá no coração de seus discípulos. Assim, o correto é usar a nomenclatura judaica: 1) Tanach (Primeiras Escrituras, isto é, aquelas anteriores a Yeshua) e 2) B’rit Chadashá (Aliança Renovada ou “Nova Aliança”) ou, como preferem alguns, Ketuvim Netsarim (Escritos dos Nazarenos), que são os escritos posteriores a Yeshua. Daí, Tanach e B’rit Chadashá (Ketuvim Netsarim) formam em conjunto o que conhecemos como Bíblia, inexistindo superioridade de um sobre o outro.
8) Seguindo a linha de Inácio de Antioquia, Marcião afirmou que o Cristianismo era distinto e oposto ao Judaísmo.
Marcião atraiu um grande número de seguidores e, após ser excomungado da Igreja de Roma, erigiu uma comunidade independente. A Igreja de Marcião se expandiu com extrema força, alcançando multidão de pessoas, valendo destacar que seu movimento perdurou por muitos séculos. Numerosos gentios se agarraram a Marcião, fugindo do “deus mal” dos judeus, o Criador dos céus e da terra para a crueldade. O ódio pelos israelitas, incluindo-se os nazarenos, ganhou um novo propulsor.
Policarpo, que foi discípulo de Yochanan (João), chamou Marcião de “primogênito de Satanás”. Lamentavelmente, o Cristianismo adotou inúmeras heresias do bispo gnóstico. Ademais, a teologia cristã lançou as sementes do Marcionismo e colheu heresias ainda maiores. Até hoje o Cristianismo, em sua quase totalidade, ensina as teses antibíblicas iniciadas por Marcião:
a) “a Lei foi abolida por Cristo”;
b) “a Igreja substitui Israel nos planos de Deus”;
c) “existe uma separação entre ‘Velho’ e ‘Novo Testamento’”.
Milhares de pastores no mundo inteiro, discípulos indiretos do gnosticismo de Marcião, ensinam para os membros de suas Igrejas: “vocês não precisam cumprir isto ou aquilo, porque são mandamentos do ‘Velho Testamento’”. Estes mesmos pastores cobram os dízimos, instituídos pelo “Antigo Testamento”. Que perversão!!! Para lucrar com os dízimos, o “Velho Testamento” é válido, mas para cumprir a vontade do ETERNO, pregam os pastores: “o Velho Testamento está ultrapassado, anulado, abolido”.
A verdade precisa vir à tona: todas as Escrituras Sagradas (antes e depois de Yeshua) formam a Unificada e Eterna Palavra do vivo Elohim. Não existe “Velho” e “Novo Testamento”, mas sim Tanach (Primeiras Escrituras) e B’rit Chadashá (ou Ketuvim Netsarim), que são os escritos dos discípulos de Yeshua. A Palavra do ETERNO nunca fica “velha”, razão pela qual é impróprio o nome “Velho” ou “Antigo Testamento”. Tendo em vista todas as explicações bosquejadas, a partir de agora não usaremos mais as expressões pagãs criadas por Marcião, substituindo-as pelos nomes corretos: Tanach e B’rit Chadashá (ou Ketuvim Netsarim/Escritos Nazarenos).
No seio do Cristianismo, existe uma doutrina maligna que foi influenciada direta ou indiretamente pelo Marcionismo: a Teologia da Substituição.
Defende a Teologia da Substituição a tese de que no “Novo Testamento” os cristãos substituíram os israelitas nas promessas feitas pelo ETERNO. Afirma que os judeus negaram Yeshua e, por isso, foram rejeitados por YHWH, que elegeu a Igreja para ocupar o lugar que antes pertencia ao povo de Israel. Esta teologia ensina: 1) que o “Novo Testamento” substituiu o “Velho Testamento”; 2) a Igreja substituiu Israel e 3) a graça substituiu a Lei; 4) o Cristianismo substituiu o Judaísmo.
Há diferentes modalidades da teologia da substituição, chamadas por R. Kendall Soulen de supersessionismo. Este pode ser: punitivo, econômico ou estrutural (The God of Israel and Christian Theology, Minneapolis,1996, Fortress).
1) Supersessionismo Punitivo. Proclama que os judeus rejeitaram Yeshua como Messias e, em decorrência, foram punidos pelo ETERNO, perdendo todas as promessas que lhe foram feitas no Tanach (Primeiras Escrituras). Alguns defensores deste supersessionismo: Hipólito de Roma, Orígenes de Alexandria e Martinho Lutero.
2) Supersessionismo Econômico (obs: não se refere a dinheiro, mas à função). Assevera que o povo de Israel foi substituído pela Igreja nos planos de YHWH. Em outras palavras, Israel foi escolhido pelo ETERNO apenas para trazer Yeshua ao mundo. Com a vinda do Messias, instituiu-se a Igreja e Israel perdeu a finalidade. Alguns defensores deste supersessionismo: Justino Mártir e Agostinho.
3) Supersessionismo Estrutural. Promove a marginalização do “Antigo Testamento” (AT) como norma para a vida cristã, isto é, não nega o AT, mas o desvaloriza, tornando-o inferior ao “Novo Testamento” (NT). O AT é válido, porém o que realmente importa é o NT. As regras do AT são vistas como de pouca relevância.
Além destes três tipos de supersessionismo apresentados por Kendall Soulen, o teólogo David Novak apresenta os conceitos de “supersessionismo fraco” e “supersessionismo forte” (Two Faiths, One Covenant?: Jewish and Christian Identity in the Presence of the Other: The Covenant in Rabbinic Thought, Rowman & Littlefield, 2004. Eis seus conceitos:
1) Supersessionismo fraco. A Nova Aliança, instituída pelo Novo Testamento, é entendida como uma adição à Aliança anterior (a religião dos judeus, ou seja, o Judaísmo). Assim, o ETERNO não revogou a Aliança com o povo de Israel, mas os gentios não precisam da Primeira Aliança, bastando se conectar com Yeshua. Este supersessionismo é chamado de “fraco” porque é sutil, mas mesmo assim possui um verniz antibíblico. Qual o erro desta teoria? O supersessionismo fraco leciona que o gentio somente precisa buscar a conexão com Yeshua, desligando-se da Torá (Primeira Aliança), o que contraria os próprios ensinos do Mashiach, uma vez que todos eles estavam fundamentados na Torá (Mt 5:17-19).
2) Supersessionismo forte. A Nova Aliança é uma substituição da Aliança Mosaica. Tanto o supersessionismo forte quanto o fraco estão errados. Biblicamente, a Aliança Renovada (“Nova Aliança”) é uma extensão (no sentido de prorrogação) da Aliança Mosaica.
Outra maligna herança do Marcionismo foi o Antinomismo, expressão que literalmente significa “contra a Lei”. De acordo com Merriam-Webster Dictionary, o antinomianismo é definido como “uma declaração de que, sob a dispensação do evangelho da graça, a lei moral é de nenhum uso ou obrigação, porque somente a fé é necessária para a salvação”. Em outras palavras, as regras morais contidas na Torá (Lei) são irrelevantes para a salvação. Será verdade? Será que alguém dito crente pode adorar Satanás e mesmo assim estar salvo? Será que um crente que passa a vida toda em adultério, sem arrepender-se, herdará a vida eterna? Será que um pastor que rouba os dízimos irá para o paraíso? É claro que não. Logo, percebe-se que as regras morais contidas na Torá são importantes. Yeshua advertiu que quem o ama iria obedecer aos mandamentos (Jo 14:15), bem como realizaria o que o Pai deseja (Mt 7:21). Disse ainda que aquele que não desse fruto seria lançado no fogo (Mt 7: 19). Ya’akov (Tiago) escreveu que a fé sem obras é morta (Tg 2:17). Ou seja, é necessário algum tipo de obediência às regras morais da Torá.
A ideia de que a Lei (Torá) foi abolida difundiu-se por meio de Inácio de Antioquia, Marcião e todos os demais “Pais” da Igreja Católica, sendo incorporada por quase todos os protestantes clássicos e evangélicos, o que contraria o ensino de Yeshua no sentido de que não veio revogar a Torá (Mt 5:17-19). Toma-se a liberdade para reproduzir mais uma vez os relatos históricos de que os netsarim (nazarenos) eram praticantes da Torá:
“Os Nazarenos … aceitam o Messias de tal maneira que eles não deixam de observar a Lei antiga [Torá].”
(Jerônimo, Commentary on Isaiah, Is 8:14).
“Eles não têm ideias diferentes, mas confessam tudo exatamente como a Lei [Torá] proclama e na forma judaica…”
(Epifânio de Salamina, Panarion 29).

Muitas pessoas não sabem que o próprio Martinho Lutero não era totalmente contrário à Torá, porquanto defendia a vigência das leis morais do Tanach (Primeiras Escrituras/“Antigo Testamento”). Certa feita, Lutero sofreu a acusação de desprezar os preceitos morais da Lei, ocasião em que afiançou:
“Na verdade, eu muito me pergunto, como veio a ser imputado a mim que eu rejeitava a Lei ou Dez Mandamentos, se fazem parte de minhas próprias exposições (e de vários tipos) sobre os mandamentos, que também são diariamente pregados e utilizados em nossas Igrejas, para não falar da Confissão e Apologia, e outros livros nossos”
(A Treatise against Antinomians, written in an Epistolary way).

Em sua obra “Introdução aos romanos”, Lutero declarou que a fé salvadora “não pode deixar de fazer boas obras constantemente… qualquer um que não faz boas obras dessa maneira é um descrente…Assim, é tão impossível separar a fé das obras como separar o calor da luz do fogo’” (An Introduction to St. Paul’s Letter to the Romans).
Comparando o pensamento dos netsarim (nazarenos) com Lutero, depreende-se que os primeiros defendiam a vigência total da Torá, enquanto Lutero advogou a subsistência apenas da lei moral (vigência parcial). O Mashiach foi contundente ao ressaltar, no famoso Sermão da Montanha, que absolutamente nada da Torá poderia ser retirado:
“Não pensem que vim abolir a Torá ou os Profetas. Não vim abolir, mas confirmar. Sim, é verdade! Digo a vocês: até que os céus e a terra passem, nem mesmo um yud ou um traço da Torá passará”
(Matityahu/Mateus 5:17-18).

Logo, a extinção total ou parcial da Torá colide com a lição de Yeshua e, neste ponto, católicos e protestantes/evangélicos se igualam como duas faces da mesma moeda.

C) TERTULIANO E AS SEMENTES DO POLITEÍSMO

Logo após a morte de Marcião, entra em cena Tertuliano (160 a 220 D.C), autor cristão responsável por lançar as bases do politeísmo. Impressionante que Tertuliano é visto pela cristandade como um exímio escritor e teólogo, cujos ensinos foram absorvidos pela Igreja Católica Romana e, posteriormente, pela Reforma Protestante.
Foi Tertuliano o primeiro a usar a palavra latina “Trinitas” (Trindade) para desenvolver o dogma cristão de que Deus são Três Pessoas diferentes: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por razões óbvios, se Deus são Três Pessoas, então, a doutrina cristã da Trindade apregoa a existência de Três Deuses, típico exemplo de politeísmo. Para tentar disfarçar o politeísmo tão combatido pela Bíblia, o dogma trinitário sustenta que “Deus é um e que, por um mistério, ao mesmo tempo são Três Pessoas”.
Vale citar as palavras de Tertuliano, o pai da Doutrina da Trindade:
“… enquanto o mistério da dispensação está ainda guardado, o qual distribui a Unidade em uma Trindade, colocando em sua ordem as três Pessoas – O Pai, o Filho e o Espírito Santo: três, contudo não em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em aspecto; ainda que em uma substância, uma condição e um poder, enquanto que Ele é um Deus, de onde estes graus, formas e aspectos são reconhecidos, sob o nome de Pai, Filho e Espírito Santo.”
(Contra Práxeas, capítulo II).

“…nós já tivemos a oportunidade de mostrar que o Pai e o Filho são duas Pessoas separadas…”
(Contra Práxeas, capítulo IV).

“Agora, observe, minha asserção é que o Pai é um, e o Filho um, e o Espírito um, e que Eles são distintos Uns dos Outros”
(Contra Práxeas, capítulo IX)

“Onde, contudo, há um segundo, deve haver dois; e onde há um terceiro, deve haver três. Agora de fato o Espírito é o terceiro de Deus e do Filho; assim como a fruta da árvore é o terceiro da raiz, ou como o riacho do rio é o terceiro da fonte, ou o ápice do raio é o terceiro do sol. Nada, contudo, é estranho à fonte original de onde deriva suas propriedades.”
(Contra Práxeas, capítulo VIII).

Incorporou o Catolicismo Romano a doutrina da Trindade nos Concílios de Niceia (325 D.C) e de Constantinopla (381 D.C), ambos realizados sem a presença de israelitas crentes em Yeshua (netsarim/nazarenos). O primeiro Concílio referido estabeleceu a divindade de duas Pessoas da Trindade (o Pai e o Filho) e o segundo acrescentou o Espírito Santo, assentando de uma vez por todas o dogma trinitário. Consulte-se a Catholic Encyclopedia (Enciclopédia Católica) acerca do verbete “trindade” (“trinity”):
“A Trindade é o termo empregado para significar a doutrina central da religião cristã – a verdade que na unidade da Divindade há três Pessoas, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo, sendo estas Três Pessoas verdadeiramente distintas umas das outras.
Assim, nas palavras do Credo de Atanásio: ‘o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, e ainda não há três Deuses, mas um só Deus’. Nesta Trindade de Pessoas, o Filho é o unigênito do Pai por uma geração eterna, e o Espírito Santo procede de uma procissão eterna do Pai e do Filho. No entanto, apesar desta diferença quanto à origem, as Pessoas são coeternas e coiguais: todos são igualmente incriados e onipotentes. Este, a Igreja ensina, é a revelação sobre a natureza de Deus que Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio sobre a terra para entregar para o mundo: e que ela propõe ao homem como fundamento de seu inteiro sistema dogmático”.

Este conceito católico romano foi absorvido por absolutamente quase todas as denominações cristãs protestantes (salvo raras exceções). Roger Olson, historiador evangélico, aponta que a Trindade se tornou um consenso no seio da cristandade:
“O resultado dos dois concílios do século IV e do Credo niceno promulgado é o consenso real entre os cristãos sobre o Deus adorado: três pessoas (hypostaseis) e uma substância (ousia) ou ser. Deus é um – devido à sua essência ou substância comum, e é três pela distinção de pessoas na divindade.”
(História das Controvérsias na Teologia Cristã, editora vida, 2004, página 192).

Mas como será que pensavam os discípulos de Yeshua antes de a Igreja Católica determinar ostensivamente o dogma trinitário?
Consultando Tertuliano, o pai da Trindade, nota-se que escreveu sua obra no século II e que, nesta época, a maioria dos crentes NÃO cria na Trindade, como admite este próprio escritor:
“Os simples, de fato, (não os chamarei de não-sábios nem de indoutos), que constituem a maioria dos crentes, ficam assombrados com a dispensação (dos três em um), no sentido de que a sua própria regra de fé os afasta da pluralidade de deuses para um único e verdadeiro Deus…’”
(Contra Práxeas, Capítulo 3).

É de clareza solar que a maioria dos fiéis ficou “assombrada” com a dispensação dos três em um (Trindade), isto é, refutava o conceito de Três Pessoas. Então, no período do segundo século para trás, em que realmente acreditava esta grande multidão de seguidores de Yeshua?
Apesar de criticá-los, chamando-os de “monarquistas”, por crerem no governo de um só ETERNO, Tertuliano registra o pensamento da maioria:
“Assim é tanto o Pai ou o Filho, e o dia não é como a noite; nem o Pai é como o Filho, de tal forma que ambos deveriam ser Um, e Um ou o Outro deveriam ser Ambos, – uma opinião que os mais conceituados ‘Monarquistas’ mantém.”
(Contra Práxeas, capítulo X).

“Agora, você [“monarquista”] que diz que o Pai é o mesmo que o Filho, realmente faz a mesma Pessoa tanto enviar de Si (e ao mesmo tempo sair de Si como) aquele Ser que é Deus. Se foi possível para Ele ter feito isto, Ele em todos os eventos não o fez. Você deve trazer as provas que eu peço de você – uma como a minha; ou seja, (você deve provar para mim) que as Escrituras mostram o Filho e o Pai sendo o mesmo, assim como do nosso lado o Pai e o Filho foram demonstrados serem distintos; eu disse distintos, mas não separados…”
(Contra Práxeas, capítulo XI).

Ante as declarações citadas, comprova-se que a maioria dos cristãos, no século II, pensava que: a) o ETERNO é 1 (uma) Pessoa, e não três; b) o Pai é o ETERNO; c) o Filho é o ETERNO e d) o Pai e o Filho são o mesmo ETERNO. Estes conceitos cristãos tiveram por base os ensinos judaicos dos primeiros discípulos de Yeshua, como assevera Tertuliano:
“Mas, esta doutrina sua dá testemunho à fé judaica, na qual esta é a substância – acreditar tanto na Unidade de Deus que recusa a reconhecer o Filho ao lado dele, e depois do Filho o Espírito.
(…)
Pois eles [adeptos da fé judaica] negam o Pai, quando dizem que Ele é o mesmo que o Filho; e eles negam o Filho quando eles supõem que Ele seja o mesmo que o Pai…”
(Contra Práxeas, capítulo 31).

Já que os israelitas nazarenos e os cristãos gentios criam que o ETERNO é UM (e não três), lutavam contra a Doutrina da Trindade, até então em um estágio inicial, acusando Tertuliano de pregar o politeísmo. Eis o dizer de Tertuliano:
“Eles estão constantemente nos atacando, dizendo que somos pregadores de dois deuses e de três deuses, enquanto eles mantêm preeminentemente o crédito para eles mesmos de serem adoradores do Único Deus…’”
(Contra Práxeas, Capítulo 3).

Estão corretos os nazarenos e os primeiros cristãos gentios ao proclamarem que o ETERNO é UM, uma vez que a Torá é bastante contundente a este respeito:
שְׁמַע יִשְׂרָאֵל יְהוָה אֱלֹהֵינוּ יְהוָה אֶחָד׃
“Ouve, ó Israel, YHWH, nosso Elohim, YHWH é UM [ECHAD]”
(Devarim/Deuteronômio 6:4).

YHWH é UM (echad) e não Três!!!
Também Yeshua HaMashiach reproduziu o mesmo texto de Devarim/Deuteronômio, enfatizando que a fé monoteísta seria o maior de todos os mandamentos:
“Um dos mestres da Torá se aproximou e ouviu o debate. Notando que Yeshua lhe dera uma boa resposta, perguntou-lhe: Qual é o mandamento mais importante?
Yeshua respondeu: ‘O mais importante é:
Ouve, ó Israel, YHWH, nosso Elohim, YHWH é UM [ECHAD]’…”
(Yochanan Marcus/Marcos 12:28-29).

Aniquila a Doutrina da Trindade o próprio ensino de Yeshua acerca da unidade do CRIADOR.
Impende gizar que Tertuliano veio de uma família pagã, e provavelmente foi influenciado pela cultura idólatra acerca da existência de um panteão com três deuses. Escreveu o erudito Andrew Gabriel Roth:
“A teologia de Tertuliano muito se assemelha a Nimrod, Semíramis e Tamuz, que eram originalmente a trindade da Babilônia, e ele [Tertuliano] inseriu as ‘pessoas’ do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tornando-os extremamente populares entre os cristãos gentios pagãos.”
(Aramaic English New Testament, 4ª edição, 2011, página 834).

Com efeito, a crença em Três Deuses permeou diversas culturas pagãs. Nas religiões da Babilônia e Assíria, já se pregava uma tríade, pois os idólatras pensavam que o Universo foi dividido em três regiões (céu, terra e água), cada uma sob o domínio de um deus (Anu, Enlil e Ea). No antigo Egito, também vigia a trindade dos deuses Hórus, Ísis e Osíris. Igualmente, no hinduísmo se destacam Brahma (deus da criação), Vishnu (deus da preservação) e Shiva (deus da destruição). Muito antes do advento do Mashiach de Israel, os religiosos da Grécia e de Roma adotavam três principais deuses no panteão. Em síntese, o paganismo, que formava o pano de fundo cultural dos “Pais” da Igreja, terminou exercendo poderosa influência na teologia cristã.
Mister ouvir a opinião de renomados historiadores:
“O cristianismo não destruiu o paganismo; ele o adotou… Do Egito vieram as ideias de uma trindade divina…”
(Will Durant, The Story of Civilization, Caesar and Christ, Part III, 1944, página 595).

“Se o Paganismo foi conquistado pelo Cristianismo, é igualmente verdade que o Cristianismo foi corrompido pelo Paganismo. O puro deísmo dos primeiros cristãos foi mudado pela Igreja de Roma para o incompreensível dogma da trindade. Muitos dos dogmas pagãos, inventados pelos egípcios e idealizados por Platão, foram retidos como sendo dignos de crença.”
(Edward Gibbon, History of Christianity, 1891, página 16).

Talvez o leitor esteja se perguntando: mas eu creio na Bíblia e esta fala do Pai, do Filho e do Espírito, como explicar este fato? Isto não seria a Trindade?
Será estudado este tema com minudência no capítulo IX, cabendo agora a apresentação panorâmica de pontos-chave das Sagradas Escrituras. De acordo com a Bíblia, existem alguns tópicos irrenunciáveis da fé:
1) YHWH é UM (echad), consoante Devarim/Deuteronômio 6:4 e Yochanan Marcus/Marcos 12:29;
2) o Pai é YHWH (Bereshit/Gênesis 1:1; Yeshayahu/Isaías 63:16 e 64:7 ou, nas versões cristãs, 64:8);
3) o Filho, Yeshua HaMashiach, é YHWH (Yeshayahu/Isaías 9:5-6 ou, nas versões cristãs, 9:6-7; Yochanan/João 1:1; Filipissayah/Filipenses 2:11, este último texto em aramaico diz na parte final: “… Yeshua HaMashiach é YHWH”);
4) a Ruach HaKodesh (“Espírito Santo”) é YHWH (Bereshit/Gênesis 1:2; Yeshuayahu/Isaías 63:1-11 e Tehilim/Salmos 51:1-11).
Ora, se o ETERNO é UM, como é possível se falar em Pai, Filho e Ruach Hakodesh? O ETERNO é UM ou TRÊS?
Concorda-se com o Rabino Ortodoxo Tzvi Nassi, que reconheceu Yeshua como Mashiach em 1824. YHWH é UM (1 Pessoa), mas possui três k’numeh (palavra em aramaico com plúrimos sentidos: manifestações, essências, naturezas, aspectos).
Assim, YHWH é UM e se revela aos homens pelas k’numeh do Pai, do Filho e da Ruach HaKodesh, isto é, não são Três Pessoas (Trindade) , mas sim o mesmo YHWH, que é UM, manifestando-se por três k’numeh distintas. Tal colocação ressalta o monoteísmo declarado em Devarim/Deuteronômio 6:4, compatibilizando-o com a divindade do Mashiach. E este é o pensamento original dos discípulos de Yeshua. Como vimos, Tertuliano admitiu que a maioria dos crentes defendia a existência de apenas 1 (um) ETERNO, e que este se manifestava como Pai, Filho ou Ruach (Espírito).

CONCLUSÃO
A restauração da fé nazarena envolve a ruptura com toda e qualquer forma de apostasia. Conforme vimos, práticas pagãs ingressaram desde cedo na religião denominada Cristianismo, que é divorciada do Judaísmo bíblico pregado por Yeshua e seus talmidim (discípulos).
Nós, servos de Yeshua HaMashiach, devemos lançar fora toda a apostasia que permeia os sistemas religiosos vigentes, ainda que isto venha a custar um alto preço.
Você, caro leitor, está disposto a pagar o preço?

Leia mais: http://www.judaismonazareno.org/news/a-apostasia%3a-inacio%2c-marci%C3%A3o-e-tertuliano/

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