grande Deus e do Salvador nosso Tito. 2.13
Postado por Valdomiro
mai 8
Tt. 2.13 – Precisamos saber porque ele foi traduzido “aparecimento da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,” e 2 Ts.1.12, que tem igual construção em língua grega foi traduzido por “a graça de nosso Deus e DO Senhor Jesus Cristo” (destaquei). O texto original de Tt. 2.13, pode tranquilamente e corretamente ser traduzido por “Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento do grande Deus e DO nosso Salvador Jesus Cristo“. A própria versão católica (religião berço da formulação do trinitarismo cristão), conhecida como a Bíblia Pão Nosso, da Editora Vozes em conjunto com a Editora Santuário, verteu assim o verso de Tt. 2.13: “Aguardando nossa esperança feliz e a vinda gloriosa do grande Deus e do Salvador nosso, Jesus Cristo.”, e não foi a única tradução a fazer a distinção, a Bíblia do Peregrino, também católica, verteu: “Esperando a promessa feliz e a manifestação da glória do nosso grande Deus e do nosso Salvador Jesus Cristo.” Ou seja, imparcialmente até mesmo um trinitariano traduzirá Tt. 2.13 como se traduz II Ts. 1.12. Deve-se levar em consideração que o fato de outros versos como II Ts. 1.12 que tem a mesma construção apresentarem preposição na versão para nossa língua é digno de nota, por mostrar a desuniformidade das traduções que, consequentemente, terminam por influenciar, de uma forma ou de outra, o entendimento dessas passagens bíblica entre nós. Talvez se pergunte: Por que não usar os dois sem preposição ao invés de ambos com preposição já que o grego permite? A resposta é simples. Além do respeito ao modo de escrever de Paulo que sempre faz distinção clara entre Jesus e Deus como sendo seu Pai, precisamos lembrar que o uso da preposição em grego é diferente do de nossa língua, bem como o artigo. Na verdade, quando estamos falando de ausência da preposição em português, nessas passagens, estamos falando de ausência do artigo grego. Ambos os substantivos, “Deus” e “Jesus” estão no genitivo, mas apenas “Deus” está com artigo. Nesse caso temos “do Deus” por causa do artigo e “de Jesus” pela ausência do artigo, se tivesse artigo seria “do Jesus”, construção possível em grego, mas não usual em português. Também não é usual dizermos, mesmo tendo o artigo “do Deus”, como não é usual dizermos “de Senhor Jesus”, mesmo sem o artigo, mas “de Deus” e “do Senhor Jesus Cristo”. Assim, nas traduções indicadas, nada foi acrescentado, apenas traduzido. A prova disso é o testemunho de muitas passagens bíblicas com construções anartas1: At. 15.11, Rm. 1.7, I Co. 1.3, II Co. 1.2, Ef. 1.2, Fp. 1.2, Cl. 1.2, I Ts. 1.1, II Ts. 1.2, I Tm 1.1,2, I Tm. 5.21, Tt. 1.4, Fl. 1.1, Tg. 1.1, II Jo.1.3. Quando se usa a expressão “Senhor Jesus Cristo” quase sempre é sem artigo no NT grego, e todos eles são traduzidos, de fato, “do Senhor Jesus Cristo”. Se compararmos esses versículos com Tt. 2.13 a única diferença é o troca da palavra “Senhor” por “Salvador” que, em termos gramaticais, não munda absolutamente nada. Assim, ou se concorda e considera todos esses versos com mesma tradução, por trato de uniformidade e é este, realmente, o entendimento que naturalmente se tem dos textos, ou se força a tradução em cima de Tt. 2.13 para dar margem ao dogma da trindade.
Neste ponto, vale a pena abrir um espaço para comentar uma regra elaborada por Granville Sharp, criada sobre substantivos anartros, justamente pela referência que muitos fazem de Tt. 2.13 com a invocação dessa regra, e que termina por revelar a parcialidade de certos gramáticos e como estes influenciam muitos estudantes da Bíblia.
Granville Sharp (1735 a 1813) foi um filantropo inglês, defensor da abolição da escravatura, com inúmeros trabalhos escritos tanto cristãos como relacionados aos direitos humanos. Um homem notável. Sua dedicação e fé o levou a estudar o grego procurando provas da deidade de Jesus. Era um teólogo não acadêmico. Ao se deparar com Tt. 2.13, ele percebeu que na redação do versículo poderia haver um padrão de escrita que talvez pudesse ser usado como elemento comprobatório de que os antigos cristãos entendessem Jesus como sendo o próprio Deus. O grande problema de Sharp foi o de considerar as milenares gramáticas da língua grega vencidas e insuficientes para satisfazer o desejo de ver na Bíblia alguma prova incontestável da deidade de Jesus, então, resolveu, ele mesmo, criar regras gramaticais. O resultado foi a produção de seis enunciados, envolvendo o estudo dos substantivos articulados, conhecidos como o cânon de Sharp. Embora as ideias de Sharp a esse respeito já sejam conhecidas a uns 200 anos, suas conclusões não tem sido usadas para a produção de novas traduções da Bíblia; atribui-se isso a influência de Georg Benedict Winer2 que discordava de suas compreensões e foi gramático influente. Mas, na verdade, como veremos, Granville Sharp produziu um terreno de areias fofas e o chamaram de regra, e, foi isso percebido por inúmeros estudiosos do assunto que veem no enunciado do filantropo algumas dificuldades que inviabilizam sua aplicação sem riscos de desvio exegético, mesmo que favorecendo a ortodoxia doutrinária, dentre eles se pode notar Calvin Winstanley que, além de contemporâneo de Sharp, também era ortodoxo trintário e, no entanto, refutou a requerida infalibilidade de regra sugerindo inclusive seu abandono para fins de prova da deidade de Cristo. Ele reconhecia que uma regra de gramática que era verdade, não dentro da língua grega ou em toda Bíblia, mas somente no Novo Testamento, e ainda assim somente em determinadas circunstâncias, era demasiado frágil para se tentar provar a deidade de Cristo.
Alguns atanasianos invocam a primeira regra objetivando legitimar a crença trinitária, informando que é uma regra básica usada por estudantes iniciais da língua grega. A regra diz que: “Quando a copulativa KAI liga dois substantivos do mesmo caso, se o artigo HO, ou qualquer dos seus casos, precede o primeiro dos referidos substantivos ou particípios, e não é repetido antes do segundo substantivo ou particípio, diz respeito este último sempre a mesma pessoa que está expressa ou descrita pelo primeiro substantivo ou particípio.: isto é, denota além disso a descrição da primeira pessoa que recebeu a especificação”3. Ela parece se encaixar como uma luva na construção gramatical de Tt. 2.13, mas você perceberá que na verdade foi criada praticamente olhando somente para Tt. 2.13, ou a alguma referencia parecida e desprezou-se o restante do NT, de modo que a regra está mais para um artifício gramatical.
Observe Tt. 2.13 “τοῦ μεγάλου Θεοῦ καὶ σωτῆρος ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ” (TOU megalou Theou KAI sôtêros hemôn Iêsou Christou).
Estão ai presentes os pressupostos; o artigo “τοῦ” (TOU), que é a forma genitiva do “HO”, e a copulativa “καὶ” (KAI) separando substantivos no mesmo caso grego. Por essa regra será que teríamos inquestionavelmente a tradução: “do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo”, dando a ideia de se referir a mesma pessoa ou mesmo ser? Será que essa regra é realmente válida se considerarmos os textos bíblicos?
O fato é que a exegese é um campo difícil, principalmente quando falamos em termos gramaticais gregos. Visto que os escritores do N.T eram judeus não podemos cobrar deles erudição na escrita, mas o uso dos elementos básicos de comunicação, pois não era sua língua pátria ou ainda considerar que às vezes o autor ditava e a escrita ficava a cargo de um amanuense. O enunciado de Sharp é chamado de regra, mas penso que, REGRA significa algo que sempre acontece quando há condições semelhantes, infelizmente não é o caso do enunciado do gramático, a não ser que se descarte propositalmente todas as exceções. O texto trazido em nossas Bíblias é apenas uma possibilidade de tradução, porém não por causa da regra, mas por causa do texto associado a opção do tradutor. Será mostrado, mais a frente, que não há base sólida na Regra de Sharp.
Como estamos falando de tradução e exegese, precisamos considerar o modo de como o escritor sagrado, no caso Paulo, apresenta Deus e Jesus, e ele o faz em abundantes passagens com distinção. Além disso o próprio Paulo usa a partícula KAI entre substantivos, nas condições abrangidas pela Regra, sem que esses substantivos sejam exatamente a mesma coisa ou pessoa, e, curiosamente tanto os tradutores quanto os gramáticos, além de não tentarem justificar ou desfazer, entendem que, de fato, não são a mesma coisa ou pessoa, pois na realidade não são, e, o que é melhor, essa identificação está ao alcance de todos nós, em especial ao estudante da Bíblia mais atento, por exemplo: Ef. 2.20: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” – “ἐπὶ τῷ θεμελίῳ τῶν ἀποστόλων καὶ προφητῶν” (epi tô[i] Themeliô[i] TON apostolon KAI profêtôn), naturalmente não se pode admitir iguais apóstolos e profetas, pois muitos sequer viveram na mesma época. E o próprio NT diz que o Senhor deu: “… outros para pastores e mestres” (τοὺς δὲ ποιμένας καὶ διδασκάλους) – Ef. 4.11, mostrando que são distintos.
At. 17.18 “τῶν Ἐπικουρείων καὶ Στοϊκῶν” (TÔN Epicureiôn KAI Stoikôn) Evidentemente Estóicos e Epicureus não eram os mesmos filosófos.
II Co. 10.1 “τῆς πραΰτητος καὶ ἐπιεικείας τοῦ Χριστοῦ” (TÊS prautêtos KAI epieikeías tou Chistou), Paulo, nitidamente, não pretendeu dizer que mansidão e benignidade fossem uma só qualidade de Cristo.
I Ts. 2.12 “εἰς τὴν ἑαυτοῦ βασιλείαν καὶ δόξαν” (heis TEN heautou basileian KAI doxan), também reino e glória não são coisas iguais.
Ef. 3.18 “τί τὸ πλάτος καὶ μῆκος καὶ βάθος καὶ ὕψος” (ti TO platos KAI mêkos KAI bathos KAI hypsos) não há dúvidas que há distinção entre “largura”, “comprimento”, “altura” e “profundidade”.
Não é somente em Paulo que vemos não ser válida a regra de Sharp, pois nos evangelho também encontramos situações em que a “regra” não se aplica. Mt. 21.12 “ἐξέβαλεν πάντας τοὺς πωλοῦντας καὶ ἀγοράζοντας ἐν τῷ ἱερῷ” (ekebalen pantas tous pôlountas kai agorazontas en tô hierô), certamente “vender” e “comprar” não são a mesma coisa.
Entender Tito 2.13, como se estivesse falando da mesma pessoa (Essência, divindade, etc.) só se admite quando já se crê de antemão nisso, não que o texto grego, por si só, o indique, caso contrário, nos exemplos citados; “apóstolo” e “profeta” seriam a mesma coisa, de igual modo “reino” e “glória”, também “largura”, “comprimento”, “altura” e “profundidade”, dentre outros, posto que a regra de Sharp “determina” isso.
A regra elaborada pelo estudioso, como se vê, não dá apenas uma segurança aparente ao estudante da língua grega, e, embora seja trinitariano termina, também, por contrapor um outro versículo muito usado pelos defensores dessa doutrina que é Jo. 20.28, pois lá lemos, em grego: “ὁ κύριός μου καὶ ὁ θεός μου”, a frase muito lida mas pouco estuda: “Senhor meu e Deus meu” é o oposto do determinado pela regra de Sharp, ou seja, por sua regra este não se refere ao mesmo ente. Essa ideia está ratificada em sua sexta regra: “E, como a inserção da copulativa KAI entre substantivos do mesmo caso, sem artigos, indica que o segundo substantivo exprime uma outra pessoa, coisa, ou qualidade, a partir do substantivo anterior, assim, de igual modo, o mesmo efeito copulativo quando cada um dos substantivos é precedido de artigos.”, e ele cita como apoio a essa regra as ocorrência contidas em Jo. 1.17, Jo. 2.22, Jo. 11.44, Cl. 2.2, II Tm. 1.5, I Pd. 4.11. De modo que, tanto pela primeira regra de Granville Sharp, quanto pela sexta regra, Jo. 20.28 não se refere a mesma pessoa ou ser, curiosamente se coloca esse verso de João com exceção às regras que definem o entendimento sobre Tt. 2.13. Mas, só para, humildemente, mostrar que ao menos essas duas regras de Sharp não servem nem para uma coisa, nem para outra, seria oportuno lermos Ap. 2.26 “Ao que vencer, e ao que guardar as minhas obras até o fim, eu lhe darei autoridade sobre as nações” que apresenta “καὶ ὁ νικῶν καὶ ὁ τηρῶν” (KAI HO nikôn KAI HO têrôn), não como pessoas diferentes, mas o mesmo indivíduo. Todos individualmente têm que “Vencer” e “Guardar”. O mesmo precisará ser VENCEDOR e GUARDADOR.
Ao que parece Sharp estava procurando um meio de legitimar sua própria crença preexistente, e criou regras que, olhando para os versículos citados, parecem não ter apoio pleno das escrituras. Assim, sugere-se ao leitor que antes de tomar como base as regras desse ilustre gramático, se detenha, como sempre tenho insistido e mostrado, ao contexto amplo das escrituras para poder firmar seu entendimento.
Recentemente Sharp ganhou um defensor de peso, o Dr. James R. White. Ele escreveu um artigo4 defendendo a “infalibilidade” da regra de Sharp, embora se saiba que há gramáticos e estudiosos trinitaristas e unitaristas como Calvin Winstaley, representante do primeiro grupo, e Andrews Norton, representante do segundo, que não concordam com infalibilidade ou mesmo validade da dita regra.
O próprio James White registra que além de não ser aceita por todos os peritos em grego há, ainda, gramáticos que mesmo concordando com ele, tem definições diferentes de sua regra. A esse respeito respeito ele diz: “… para minha surpresa, eu descobri que nenhuma destas definições, mesmo a de Dana e Mantey, refletem com exatidão o que Granville Sharp realmente disse ou quis dizer”5, ou seja, a regra de Sharp é tão polêmica e sujeita a nuances que mesmo os gramáticos não captaram, conforme afirma James White, com exatidão a ideia que se atribui ao estudioso.
Segundo White, Sharp determinou que “Quando um kai copulativo conecta dois nomes do mesmo caso [ou seja nomes (tanto substantivo ou adjetivo ou particípio) de descrição pessoal, a respeito de ofício, dignidade, afinidade ou conexão e atributos, propriedades ou qualidades, bom ou mal,] se o artigo ho, ou qualquer um de seus casos, preceder o primeiro dos distos nomes ou particípios, e não for repetido antes do segundo nome ou particípio, o último sempre se relaciona à mesma pessoa que é expressa ou descrita pelo primeiro nome ou particípio: isto é, ele denota uma maior descrição da primeira pessoa nomeada” (site idem). Obs.: Aqui não se sabe se os colchetes e parênteses, também são de Graville Sharp. A redação indicada por White, no que difira da de Dana & Mantey, não é suficiente para mudar o argumento contrário à regra.
Curiosamente White diz que “essa regra não possui exceção”, mas não é isso que os próprios textos gregos, como vimos, mostraram. Na verdade, ele mesmo se encarrega de informar as restrições da dita “regra”, pois avisa de antemão que em uma frase toda de acordo com a “regra” se aparecerem nomes próprios, então, ela não se aplica. Isso é uma típica exceção à definição “Quando um kai copulativo conecta dois nomes do mesmo caso”. Mas, não se aplica por uma questão óbvia; ela seria uma proposta esdrúxula em determinadas ocorrências! Veja um exemplo prático: Se disséssemos levando em conta as informações contidas no N.T, em grego: “O Paulo e negador Pedro”. A palavra “negador” está indubitavelmente associada a Pedro e jamais inferiríamos que Paulo e Pedro fossem um único “negador”. A questão é clara quando há nomes próprios, e, clara também é a impossibilidade da regra, por isso, de cara, o defensor dela exclui a exceção para começar a construir uma regra “sem” exceções. O problema é que se disséssemos “O Deus e Salvador Jesus”, construção idêntica, Sharp teria pretendido reconhecer ai uma identidade: Jesus como sendo Deus e Salvador, mas nesse caso Pedro também seria Paulo, que também seria “negador”. Pela flagrante fragilidade da regra é que se exclui os nomes próprios, embora que o próprio nome JESUS, em Tt. 2.13, é um nome próprio, mas nesse caso ele seria considerado fora do escopo da regra, embora pertencente a frase em que a regra seria aplicada. Outra necessidade é a de considerarmos “Deus” ali como título e não como substituto indicativo do nome do Pai, como se vê, por exemplo, em Jo. 8.42 “Se Deus (Iahweh) fosse o vosso Pai”. Mas não para por ai. Outras exceções precisam ser elencadas e desconsideradas para que os ditos de Sharp, nos moldes propostos por White, possam ter “validade”.
Outra construção de exceção à regra é quando houver plurais, ou seja, mesmo que todos os requisitos ditos pela “regra” estejam presentes, se um dos nomes ou ambos forem plurais ela não se aplica, e, não só plurais gramaticais, mas plurais semânticos também, ou seja, mesmo que tenhamos palavras no singular, se elas forem semanticamente plurais a regra não se aplica. E por que não se aplicam, porque denunciaria, mais uma vez, a fragilidade da regra, pois, de cara, um plural e um singular tornará explícito o não atendimento à pretensão de Sharp. Se inclui nesse grupo também os numerais.
Mas, ainda não para por ai. Se forem objetos ou coisas, mesmo que estejam exatamente em uma construção grega abrangida pela regra, James White diz que ela também não se aplica, e ele diz isso porque de igual modo revelaria falha de aplicação.
Denuncia-se, então, a ineficácia da regra, para que ela seja considerada de alguma foram válida, ainda que nos exatos moldes requeridos por Sharp, pois despreza-se sua ocorrência quando há nomes próprios, quando há plurais na construção (inclusive semânticos e numerais), quando há objetos, coisas envolvidas ou substantivos abstratos, como, por exemplo: amor, ódio, etc. Quais as razões dessas restrições? Em termos gramaticais nenhuma, elas foram excluídas, simplesmente pelo fato de, em sendo consideradas, desterra completamente a intenção de se ver em em Tt. 2.13 a afirmação de que Jesus seja o Grande Deus. Excluindo-se todas essas exceções, então, James R. White diz: “Essa regra não tem exceções”(?). Desse jeito não poderia ter mesmo! Se simplesmente desconsiderarmos todas as exceções de todas as regras, teremos todas as regras sem exceção. Certo professor de matemática que tive na infância, brincalhão, dizia para divertir a turma: “Fulana? Ah, fulana é uma pessoa maravilhosa. Tirando todos os defeitos, ela é uma pessoa sem defeitos”. Aplicando isso à regra de Sharp: “Tirando todas as exceções ela é uma regra sem exceções”. Além do mais quem excluiu essas exceções foi Sharp mesmo ou White tentando solidificar sua crença?
White reivindica também o fato do verso 14 apontar para Jesus como uma suposta prova de que o verso 13 indica apenas Jesus, mas também isso não é verdadeiro se olharmos para outras passagens bíblicas como, por exemplo, Gl. 1.3,4: “Graça e paz da parte de Deus Pai e do nosso Senhor Jesus Cristo, (4) o qual se deu a si mesmo por nossos pecados,…”. Perceba que o verso 4 se relaciona apenas com Jesus, embora no verso 3 fala-se de Deus e de Jesus, sem misturar ambos, pois não foi o Pai que morreu por nossos pecados.
A “regra” de Sharp é de tal forma precária, que depois de enunciá-la não poderemos aplicá-la a qualquer texto grego que possivelmente seria abrangido por ela, sem antes termos que selecioná-los, escolher os textos, excluindo todos aqueles onde ela se mostra falha, chamando-os de restrições, para podermos dizer que ela se aplica em determinado lugar. Na verdade, ela nem deveria ser chamada de regra de gramática, pois é igualmente deficiente se tentarmos aplicá-la a textos gregos fora do Novo Testamento, e não se pode fundamentar um regra de gramática de uma língua em apenas partes selecionadas de determinada obra, no caso o Novo Testamento, visto que ele é apenas uma pequena parte, independentemente do grau de importância, da multidão de obras escritas em Koiné6 no período em que esse dialeto esteve em uso no mundo grego.
Excluindo-se as construções bíblicas que denunciam a inexistência ou mesmo ineficácia da regra de Sharp, o que restou foram os pontos onde se pode ter ou não alguma ambiguidade. É fazendo uso dessa possibilidade que Sharp “determina”, em Tt. 2.13, é a mesma pessoa. No entanto, ao desconsiderar a contextualização, não somente local, mas a investigação ampla de como o escritor sagrado percebia Pai e Filho, veremos que a sugestão de Sharp produz leituras estranhas ao que é ensinado na Bíblia de forma abrangente e consolidada. Há, por exemplo, uma reivindicação de Ef. 5.5 como sendo ocorrência da regra: “Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.” Aqui a Almeida Corrigida Fiel verteu similarmente a King James Version: “For this ye know, that no whoremonger, nor unclean person, nor covetous man, who is an idolater, hath any inheritance in the kingdom of Christ and of God.” Em ambas as traduções de original grego, “οὐκ ἔχει κληρονομίαν ἐν τῇ βασιλείᾳ τοῦ Χριστοῦ καὶ θεοῦ”, se tem o entendimento direto, comum e natural do que o verso quer dizer: “… não tem herança no reino de Cristo e de Deus”, dois entes distintos e separados, Pai e Filho, mas, segundo a regra em estudo deveríamos entender “… no reino de Cristo, [nosso] Deus.” ou “… no reino de Cristo e Deus” (entendido como um só ente), ou seja, ele estaria falando de Jesus duas vezes além de excluir a comum identificação do Pai no reino, quando isso é abundantemente atestado nas escrituras em pelo menos 70 (setenta) ocorrências da expressão “Reino de Deus”, ao passo que “Reino de Cristo”, temos uma única, o próprio Ef. 5.5. Jesus Cristo, nas Escrituras, não é identificado como o Deus que reina, mas como o Rei constituído por Deus e que na consumação de todas as coisas entregará o reino a Deus, seu Pai. I Co. 15.24.
A chamada regra de Sharp tem encolhido seu campo de abrangência com o passar dos anos, para que alguns ainda a possam chamar de regra. D.A Carlson, acredita que apenas “esta versão ‘mais branda’ da regra de Sharpe realmente se sustenta”.
Dentro da Bíblia mesmo, em Pv. 24.21 temos, na septuaginta “φοβοῦ τὸν θεόν υἱέ καὶ βασιλέα … ” (…teme ao Senhor, filho, e ao rei), de modo que ainda que se busque atender todos os requisitos pelo Dr. James R. White para tornar a regra de Sharp plenamente válida, ainda assim, este verso de Provérbios mostra que ela é falha.
Agora, além de todos esses fatos, considere a questão da razoabilidade. Todos sabem que uma das coisas que difere o grego koiné do clássico é a quebra de regras, a falta de um padrão estrito. Até mesmo no clássico há quebra de regras e no koiné isso é muito mais acentuado. Era a língua das massas. A proposta de Sharp, ainda que deficiente, mesmo nos moldes de White, revelaria que os escritores do Novo Testamento não teriam se preocupado em ensinar aberta e explicitamente o dogma trinitário na época em que viveram, eles teriam achado mais apropriado ensinar o dogma fazendo uso de uma forma meio codificada de escrita, e ainda assim, sabe-se lá porque razão, tal expediente teria ficado oculto esse tempo todo, quase vinte séculos, e somente descoberta depois de séculos e séculos de plena atividade tanto de história literária quanto de gramática grega. Embora não haja qualquer evidência em nenhum documento gramatical ou em qualquer fonte antiga do ensino da língua grega que essa regra tenha existido ou mesmo que os antigos escrevessem tendo por base esse paradigma, admitamos, na remotíssima hipótese, que os escritores do Novo Testamento e somente eles em todo mundo de fala grega do primeiro século tenham usado aquilo que Sharp diz ter existido, então, os apóstolos teriam preferido uma regra deficitária, polêmica e contestável, cheia de exceções e geradora de mais debates do que produção de resultado, para que alguém depois de excluir as exceções a chamasse de regra sem exceção, e, somente depois disso se afirmasse com ela que o grego ensina indubitavelmente a trindade, ou seja, quem ensinaria a trindade dentro da Bíblia não é explicitamente as Escrituras, mas uma “regra” oculta por quase 20 séculos que teria passado despercebida por todos os peritos que debateram a questão cristológica em seu auge, essa que seria uma ferramenta óbvia para provar a deidade de Cristo. Isso equivale dizer que o próprio Deus teria se negado a se identificar como dois ou três para, então, por meio de um suposta regra oculta aos olhos dos gramáticos e dos debates teológicos em milênios de história da língua grega, passar, agora, a ensinar a seus filhos, incluídos ai as pessoas de saber simples, que ele na verdade é, pelo menos, dois e no máximo três (?), se afastando da simplicidade que há em Cristo. II Co. 11.3.
A quem reivindique a ocorrência da palavra “ἐπιφάνεια” (epifaneia) em Tt. 2.13 como aquela que sempre aponta para Jesus e com isso pretendem considerar o ser de “Deus” e o ser de “Jesus” nesse versículo como sendo o mesmo, mas é de se observar que o verso de Tito, em estudo, não diz que Deus irá aparecer, nem fala da epifaneia de Deus, fala, na verdade, do “aparecimento da glória do grande Deus”, e, nesse sentido Jesus mesmo diz em Jo. 8.54 ”…quem me glorifica é meu Pai, o qual dizeis que é vosso Deus” e, ainda, Mt. 16.27 que mais explicitamente diz: “Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras”, bem como lucas Lc. 9.26 “…o Filho do Homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos.”, Jesus Cristo virá na glória de Deus, seu Pai. Não é Deus que virá pessoalmente com ele.
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1 Sem artigo
2 Georg Benedict Winer – Filho de um padeiro de Viena, Austria, que tornou-se PhD em Teologia pela Universidade de Rostock. É escritor de vários livros na área e autor de A Grammar of the idiom of the New Testament (Gramática do Idioma do Novo Testamento), e Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament Scriptures (Léxico Hebraico e Caldeu para os Livros do Antigo Testamento) produzido originalmente em latim.
3 Apud Dana & Mantey in A Manual of The Greek New Testament, pág. 147
4 http://www.e-cristianismo.com.br/pt/teologia/apologetica/129-granville-sharp
5 Idem
6 Koiné significa comum ou popular, assim era conhecido o dialeto grego comumente falado na época de Jesus.